terça-feira, 18 de agosto de 2009

O fim da monarquia no Brasil


No dia 15 de novembro de 1889, no paço da Cidade o aspecto da praça à beira do cais Pharoux era o mesmo de dias normais. Nas docas embarcações erguiam seus mastros. O Arco de Teles dava a passagem para o mercado de peixe. O Hotel Machado abria as janelas para a rua do Mercado, apinhada de gente. Funcionários públicos entravam e saiam da Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas ao lado da igreja de São José.




Tendo chegado à capital por volta das 13hs, D. Pedro II e D. Teresa Cristina tomaram sua carruagem puxada por 6 cavalos e rumaram direto para o paço da Cidade. Isabel e o marido foram juntar-se a eles. Foram recebidos com as honras habituais pela guarda do palácio: toque de corneta, rufos de tambor, continência. Em poucas horas, uma multidão reunia-se inquieta à volta do prédio. Gente de todo tipo se misturava, da ralé aos grandes do Império. Dentro do palácio, D. Pedro II parecia manter a maior serenidade. Parecia não estar compenetrado da gravidade dos fatos. Foi indagado pelo almirante chileno Bannen se queria que lhe colocasse a disposição o encouraçado Almirante Cochrane para fugir ou resistir. D. Pedro respondeu:
  • " Isto é fogo de palha, eu conheço meus patrícios ".
Os brasileiros eram assim mesmo. Acreditava sinceramente, que no dia seguinte estaria tudo terminado.



A conspiração
Uma vasta conspiração militar organizada com ramificações nas Províncias. Tramada por oficiais e insuflada por um grupo de ideólogos explorando o descontentamento que lavrara no Exército a propósito de certas medidas imprudentes do governo. Não foi difícil contaminar o ânimo de Deodoro, militar valoroso, mas também vaidoso, induzindo-o a afrontar o ministro, e se preciso a própria monarquia que o general acusava de inimiga da classe militar.

No meio da tarde, um piquete de cavalaria, com 40 praças, cercou o palácio. O comandante se apresentou, dizendo-se "as ordens" de Sua Majestade por ordem de Deodoro da Fonseca. D. Pedro reagiu na hora, não reconhecia no velho marechal qualidade para dar tal ordens. Julgava necessário dissolver os grupos revoltosos. Acostumado a centralizar as decisões do gabinete, D. Pedro falou: "Eu não aceito a demissão". O genro, conde d'Eu, explicou-lhe que Ouro Preto e os demais estavam presos. "Ouro Preto virá falar comigo!", retrucou, olímpico o imperador. E o ministro Ouro Preto foi liberado por Deodoro a fim de ir ao palácio conferenciar com D. Pedro, sob condição de voltar ao quartel. Correu a notícia, que por sua sugestão o imperador teria indicado Silveira Martins para construir um novo conselho. Ministro aos 44 anos, ex presidente de província, o colosso gaúcho, barba branca e pele muito vermelha, chamava atenção por suas ideias e não tinha boas relações com Deodoro.

A Princesa Isabel lutava para não entregar os pontos e o imperador resistia a enxergar a realidade. O imperador ia se mostrando, ensimesmado, secreto e inabordável. Era um homem de seu tempo, romântico. Ser romântico era algo mais do que ter uma estética e uma filosofia. Era também, um modo de morrer, como extinguir-se politicamente. Quanta decepção em saber que Deodoro era o centro dos acontecimentos. Abatido o monarca se deixou levar por um fatalismo pessimista. Achava-se desgostoso diante da ingratidão do velho marechal, antes um interlocutor. Condecorara-o meses antes com uma das mais altas comendas do Império, a 'Ordem da Rosa'. Cansado o soberano se fechava em sofrimento e perguntas. Talvez uma repetição; repetição infeliz do que acontecera a seu pai quando da renúncia ao trono brasileiro. Como o pai, ele também se sentia desertado e atraiçoado. Isabel ficou chocada ao saber que José do Patrocínio, abolicionista com quem mantinha as melhores relações dirigia-se à Câmara Municipal à frente de populares, decidido a proclamar a República. E também chocados com a notícia que Deodoro secundado por Boacayuva, assinara a moção redigida por Benjamim Constant, lida ao povo : "Estava extinta a monarquia no Brasil!".

O adeus
Na noite de 15 de novembro para 16, tudo desmoronou. Não apenas o regime. A família também. Seus membros se digladiavam numa guerra interna. Irrompia a luta de gerações. Fora do paço, um Governo Provisório se estabelecera e o movimento militar iniciado contra um ministério terminara com a derrubada da monarquia. Mas não só: a república atingira membros da família imperial em cheio. Nunca mais seriam os mesmos. O golpe roubara-lhes o sorriso, o olhar e a alma.

Alta noite, enviou-se uma carta a Deodoro. A ideia da família imperial era convencer o chefe revolucionário a voltar atrás. Às 11 horas um major serviu de pombo correio. Às 2 da madrugada, ele voltou com a resposta verbal do velho marechal…
a República é um fato consumado.
Não aceitava propostas, nem cedia coisa alguma. E Deodoro também disse que o culpado de tudo era o conde d'Eu, opressor do Exército.

Passados os discursos e a volta das tropas aos quartéis, o novo governo que derrubara o poder com facilidade e sem derramamento de sangue tinha um problema: desembaraçar-se da família imperial. Tendo a simpatia de alguns republicanos, como Bocayuva, Constant e Deodoro, os Bragança não contaram com a simpatia de Rui Barbosa, que achava que a família imperial não podia coexistir com a República. Era perigoso demais. Como fazer se ninguém tinha coragem de enfrentar o imperador?


Na tarde do dia 16 de novembro, no salão da Damas, interior do paço, uma comissão composta pelo major Frederico Sólon, comandante das tropas que cercavam o paço, e dois oficiais de baixa patente se apresentou. Portavam a terrível mensagem de banimento do país(*). Invocando o "voto nacional", Deodoro ordenava à família imperial que deixasse o território em 24 horas. O imperador se dirigiu a um canto do salão e o barão de Loreto que o acompanhava leu em voz alta o texto intimidante da mensagem. Ao se inteirar do conteúdo, o velho monarca exclamou:
  • "Eu parto e parto já!"
A imperatriz e a filha desabaram em choro. Ficava combinado que a família imperial embarcaria no dia seguinte, às 17 h. O imperador escreveu, trêmulo, apesar de sua fisionomia serena, a resposta aos golpistas:

Após haver tomado conhecimento da carta que me foi remetida a 16 de novembro, às 3 h da tarde, resolvi me inclinar diante das circunstâncias e partir amanhã para a Europa com toda a minha família. Aqui deixo esse país que me é tanto afeiçoado e ao qual me esforcei de dar provas de minha solicitude e de meu devotamento por quase meio século, guardarei sempre o sentimento de benevolência para o Brasil e farei votos para sua prosperidade. D. Pedro d'Alcantâra.

Às 17 h e 45 min de domingo, dia 17 de novembro, se desenrolou a etapa mais melancólica do drama. A família imperial deixou o paço. Tal como seu pai, que quando partiu para o cais de embarque foi acompanhado pelos gritos de desespero de suas negras de serviço, também o imperador viu chorar seus escravos. A diferença é que seu pai embarcara magoado. D. Pedro II trazia os olhos fixos, frios e irônicos.

O embarque
No portão principal, havia apenas uma carruagem com escolta militar. Nela entraram os dois velhos monarcas e Isabel e Pedro Augusto. As demais pessoas, inclusive o genro, seguiram a carruagem a pé, silenciosamente. No momento de entrar na lanchinha que os levaria ao navio, enquanto o conde d'Eu apressava o embarque, D. Pedro, revistas embaixo do braço, repetia:
  • "Para que tanta pressa, não vamos fugindo!"
Havia amargura no semblante de todos. Foi um embarque noturno, incerto e furtivo, Para o que assistiram, era escandaloso ver um homem que governara por meio século, banido como um degredado. Nada levava consigo, além da família. Uma família em pedaços. Todos reunidos no tombadilho diminuto do Parnaíba, aguardaram o nascer do sol. Pelas dez da manhã, os filhos de Isabel chegaram de Petrópolis e foram imediatamente embarcados. "Em tudo notamos receio e atrapalhação", registrou Isabel. Ao meio dia levantaram ferros em direção à Ilha Grande. Das janelas dos camarotes do tombadilho, cada membro da família imperial acariciava, já com saudade, a paisagem. Às 18 h, o Alagoas ancorava na enseada do Abrãao, lado a lado com a canhoneira. O translado mais uma vez se fez à noite. O encouraçado Riachuelo ia escoltar o Alagoas, evitando que este acostasse em busca de reforços. Uma última refeição foi servida em águas territoriais brasileiras. Falou-se na ingratidão do país. Recolheram-se, cada qual com suas emoções. Às 5 h do dia 18, o Alagoas comboiado pelo Riachuelo, levantou ferros, indo em direção norte, passou diante da ilha Rasa e por trás do Pão de Açúcar, e ao meio dia já estava em Cabo Frio. "Está cumprido o mais doloroso de nossos deveres" , teria dito Benjamim Constant.





(*) o documento dizia, em síntese: ‘Os sentimentos democráticos da Nação, há muito preparados, despertaram agora. Obedecendo, pois às exigências do voto nacional, com todo o respeito à dignidade das funções públicas que acabais de exercer, somos forçados a notificar-vos de que o Governo Provisório espera de vosso patriotismo o sacrifício de deixardes o território brasileiro, com a vossa família, no mais breve prazo possível’. Vinte e quatro horas para deixar o Brasil. E – acrescente-se – para sempre.

___________________________________
Banimento da Família Imperial

Decreto nº. 78-A (21 dez. 1889)

Bane do território nacional o Sr. D. Pedro de Alcântara e sua família e revoga o Decreto no 2, de 16 de novembro de 1889, e estabelece outras providências.

O Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório, constituído pelo Exército e Armada, em nome da Nação,

Considerando:

Que o Sr. D. Pedro de Alcântara, depois de aceitar e agradecer aqui o subsídio de cinco mil contos para a ajuda de custo do seu estabelecimento na Europa, ao receber das mãos do general, que lho apresentou, o decreto onde se consigna essa medida, muda agora de deliberação, declarando recusar semelhante liberalidade;

Que, repelindo esse ato do Governo republicano, o Sr. D. Pedro de Alcântara pretende, ao mesmo tempo, continuar a perceber a dotação anual sua e de sua família em virtude do direito que presume substituir-lhe por força da lei;

Que essa destinação envolve a negação evidente da legitimidade do movimento nacional e encerra reivindicações incompatíveis hoje com a vontade do País, expressa em todas as suas antigas províncias, hoje Estados, e com os interesses do povo brasileiro, agora indissoluvelmente ligados à estabilidade do regime republicano;

Que a cessação do direito da antiga família imperial à lista civil é conseqüência imediata da revolução nacional, que a depôs, abolindo a monarquia;

Que o procedimento do Governo Provisório, mantendo, a despeito disso, essas vantagens ao príncipe decaído, era simplesmente uma providência de benignidade republicana, destinada a atestar os intuitos pacíficos e conciliadores do nosso regime, ao mesmo tempo em que uma homenagem retrospectiva à dignidade que o ex-Imperador ocupara como chefe do Estado;

Que a atitude presentemente assumida pelo Sr. D. Pedro de Alcântara nesse assunto, pressupondo a sobrevivência de direitos extintos pela revolução, contém o pensamento de desautorizá-la, aninha veleidades inconciliáveis com a situação republicana;

Que, conseguintemente, cessaram as razões de ordem política, em que se inspirara o Governo Provisório, proporcionando ao Sr. D. Pedro de Alcântara o subsídio de cinco mil contos, e respeitando temporariamente a sua dotação,

Decreta:

Art. 1o É banido do território brasileiro o Sr. D. Pedro de Alcântara e, com ele, sua família.

Art. 2o Fica-lhes vedado possuir imóveis no Brasil, devendo liquidar no prazo de dois anos os bens dessa espécie, que aqui possuem.

Art. 3o É revogado o Decreto no 2, de 16 de novembro de 1889, que concedeu ao Sr. D. Pedro de Alcântara cinco mil contos de ajuda de custo para o seu estabelecimento no estrangeiro.

Art. 4o Considera-se extinta, a contar de 15 desse mês, a dotação do Sr. D. Pedro de Alcântara e sua família.

Art. 5o Revogam-se as disposições em contrário.


Sala das Sessões do Governo Provisório dos Estados Unidos do Brasil, 21 de dezembro de 1889; 1o da República. - MANUEL DEODORO DA FONSECA - Quintino Bocaiúva - Rui Barbosa - Benjamim Constant.
________________________________________

Origem: texto do livro 'O príncipe maldito' de Mary Del PrioreDocumentos e fotos: internete.

4 comentários:

  1. Respostas
    1. O maior absurdo de nossa história foi essa proclamação da republica de bananas. VIVA A MONARQUIA, VIVA VOSSA MAJESTADE IMPERIAL DOM PEDRO II, O MAIOR BRASILEIRO DE TODOS, E O ÚNICO GOVERNANTE HONESTO QUE TIVEMOS, REFERENDO PELA VOLTA DA MONARQUIA JÁ.

      Excluir
  2. É o seguinte o texto da carta que D. Pedro II escreveu ao receber a notícia do banimento:

    À vista da representação que me é dada hoje, às 3 horas da tarde, resolvo, cedendo ao império das circunstâncias, partir com toda minha família para a Europa, amanhã, deixando esta pátria, de nós estremecida, em que me esforcei por dar constantes testemunhos de entranhado amor e dedicação durante quase meio século, em que exerci as funções de Chefe de Estado.
    Ausentando-me, pois, com todas as pessoas de minha família, conservarei do Brasil a mais saudosa lembrança, fazendo votos por sua grandeza e prosperidade.

    Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1889.
    Pedro de Alcântara

    ResponderExcluir
  3. O maior traidor da Historia Brasileira, Marechal! Tambem sou a favor da monarquia.

    ResponderExcluir

Benção


"Que o caminho seja brando a teus pés, O vento sopre leve em teus ombros.Que o sol brilhe cálido sobre tua face, As chuvas caiam serenas em teus campos. E até que eu de novo te veja.... Que Deus te guarde na palma de Sua mão."
(Uma antiga bênção Irlandesa)
 
© 2008 Templates e Acessórios por Elke di Barros