No dia 15 de novembro de 1889, no paço da Cidade o aspecto da praça à beira do cais Pharoux era o mesmo de dias normais. Nas docas embarcações erguiam seus mastros. O Arco de Teles dava a passagem para o mercado de peixe. O Hotel Machado abria as janelas para a rua do Mercado, apinhada de gente. Funcionários públicos entravam e saiam da Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas ao lado da igreja de São José.
Tendo chegado à capital por volta das 13hs, D. Pedro II e D. Teresa Cristina tomaram sua carruagem puxada por 6 cavalos e rumaram direto para o paço da Cidade. Isabel e o marido foram juntar-se a eles. Foram recebidos com as honras habituais pela guarda do palácio: toque de corneta, rufos de tambor, continência. Em poucas horas, uma multidão reunia-se inquieta à volta do prédio. Gente de todo tipo se misturava, da ralé aos grandes do Império. Dentro do palácio, D. Pedro II parecia manter a maior serenidade. Parecia não estar compenetrado da gravidade dos fatos. Foi indagado pelo almirante chileno Bannen se queria que lhe colocasse a disposição o encouraçado Almirante Cochrane para fugir ou resistir. D. Pedro respondeu:
- " Isto é fogo de palha, eu conheço meus patrícios ".
Uma vasta conspiração militar organizada com ramificações nas Províncias. Tramada por oficiais e insuflada por um grupo de ideólogos explorando o descontentamento que lavrara no Exército a propósito de certas medidas imprudentes do governo. Não foi difícil contaminar o ânimo de Deodoro, militar valoroso, mas também vaidoso, induzindo-o a afrontar o ministro, e se preciso a própria monarquia que o general acusava de inimiga da classe militar.
No meio da tarde, um piquete de cavalaria, com 40 praças, cercou o palácio. O comandante se apresentou, dizendo-se "as ordens" de Sua Majestade por ordem de Deodoro da Fonseca. D. Pedro reagiu na hora, não reconhecia no velho marechal qualidade para dar tal ordens. Julgava necessário dissolver os grupos revoltosos. Acostumado a centralizar as decisões do gabinete, D. Pedro falou: "Eu não aceito a demissão". O genro, conde d'Eu, explicou-lhe que Ouro Preto e os demais estavam presos. "Ouro Preto virá falar comigo!", retrucou, olímpico o imperador. E o ministro Ouro Preto foi liberado por Deodoro a fim de ir ao palácio conferenciar com D. Pedro, sob condição de voltar ao quartel. Correu a notícia, que por sua sugestão o imperador teria indicado Silveira Martins para construir um novo conselho. Ministro aos 44 anos, ex presidente de província, o colosso gaúcho, barba branca e pele muito vermelha, chamava atenção por suas ideias e não tinha boas relações com Deodoro.
A Princesa Isabel lutava para não entregar os pontos e o imperador resistia a enxergar a realidade. O imperador ia se mostrando, ensimesmado, secreto e inabordável. Era um homem de seu tempo, romântico. Ser romântico era algo mais do que ter uma estética e uma filosofia. Era também, um modo de morrer, como extinguir-se politicamente. Quanta decepção em saber que Deodoro era o centro dos acontecimentos. Abatido o monarca se deixou levar por um fatalismo pessimista. Achava-se desgostoso diante da ingratidão do velho marechal, antes um interlocutor. Condecorara-o meses antes com uma das mais altas comendas do Império, a 'Ordem da Rosa'. Cansado o soberano se fechava em sofrimento e perguntas. Talvez uma repetição; repetição infeliz do que acontecera a seu pai quando da renúncia ao trono brasileiro. Como o pai, ele também se sentia desertado e atraiçoado. Isabel ficou chocada ao saber que José do Patrocínio, abolicionista com quem mantinha as melhores relações dirigia-se à Câmara Municipal à frente de populares, decidido a proclamar a República. E também chocados com a notícia que Deodoro secundado por Boacayuva, assinara a moção redigida por Benjamim Constant, lida ao povo : "Estava extinta a monarquia no Brasil!".
O adeus
Na noite de 15 de novembro para 16, tudo desmoronou. Não apenas o regime. A família também. Seus membros se digladiavam numa guerra interna. Irrompia a luta de gerações. Fora do paço, um Governo Provisório se estabelecera e o movimento militar iniciado contra um ministério terminara com a derrubada da monarquia. Mas não só: a república atingira membros da família imperial em cheio. Nunca mais seriam os mesmos. O golpe roubara-lhes o sorriso, o olhar e a alma.
Alta noite, enviou-se uma carta a Deodoro. A ideia da família imperial era convencer o chefe revolucionário a voltar atrás. Às 11 horas um major serviu de pombo correio. Às 2 da madrugada, ele voltou com a resposta verbal do velho marechal…
– a República é um fato consumado.
Não aceitava propostas, nem cedia coisa alguma. E Deodoro também disse que o culpado de tudo era o conde d'Eu, opressor do Exército.
Passados os discursos e a volta das tropas aos quartéis, o novo governo que derrubara o poder com facilidade e sem derramamento de sangue tinha um problema: desembaraçar-se da família imperial. Tendo a simpatia de alguns republicanos, como Bocayuva, Constant e Deodoro, os Bragança não contaram com a simpatia de Rui Barbosa, que achava que a família imperial não podia coexistir com a República. Era perigoso demais. Como fazer se ninguém tinha coragem de enfrentar o imperador?
Na tarde do dia 16 de novembro, no salão da Damas, interior do paço, uma comissão composta pelo major Frederico Sólon, comandante das tropas que cercavam o paço, e dois oficiais de baixa patente se apresentou. Portavam a terrível mensagem de banimento do país(*). Invocando o "voto nacional", Deodoro ordenava à família imperial que deixasse o território em 24 horas. O imperador se dirigiu a um canto do salão e o barão de Loreto que o acompanhava leu em voz alta o texto intimidante da mensagem. Ao se inteirar do conteúdo, o velho monarca exclamou:
- "Eu parto e parto já!"
Após haver tomado conhecimento da carta que me foi remetida a 16 de novembro, às 3 h da tarde, resolvi me inclinar diante das circunstâncias e partir amanhã para a Europa com toda a minha família. Aqui deixo esse país que me é tanto afeiçoado e ao qual me esforcei de dar provas de minha solicitude e de meu devotamento por quase meio século, guardarei sempre o sentimento de benevolência para o Brasil e farei votos para sua prosperidade. D. Pedro d'Alcantâra.
O embarque
No portão principal, havia apenas uma carruagem com escolta militar. Nela entraram os dois velhos monarcas e Isabel e Pedro Augusto. As demais pessoas, inclusive o genro, seguiram a carruagem a pé, silenciosamente. No momento de entrar na lanchinha que os levaria ao navio, enquanto o conde d'Eu apressava o embarque, D. Pedro, revistas embaixo do braço, repetia:
- "Para que tanta pressa, não vamos fugindo!"
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Banimento da Família Imperial
Decreto nº. 78-A (21 dez. 1889)
Bane do território nacional o Sr. D. Pedro de Alcântara e sua família e revoga o Decreto no 2, de 16 de novembro de 1889, e estabelece outras providências.
O Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório, constituído pelo Exército e Armada, em nome da Nação,
Considerando:
Que o Sr. D. Pedro de Alcântara, depois de aceitar e agradecer aqui o subsídio de cinco mil contos para a ajuda de custo do seu estabelecimento na Europa, ao receber das mãos do general, que lho apresentou, o decreto onde se consigna essa medida, muda agora de deliberação, declarando recusar semelhante liberalidade;
Que, repelindo esse ato do Governo republicano, o Sr. D. Pedro de Alcântara pretende, ao mesmo tempo, continuar a perceber a dotação anual sua e de sua família em virtude do direito que presume substituir-lhe por força da lei;
Que essa destinação envolve a negação evidente da legitimidade do movimento nacional e encerra reivindicações incompatíveis hoje com a vontade do País, expressa em todas as suas antigas províncias, hoje Estados, e com os interesses do povo brasileiro, agora indissoluvelmente ligados à estabilidade do regime republicano;
Que a cessação do direito da antiga família imperial à lista civil é conseqüência imediata da revolução nacional, que a depôs, abolindo a monarquia;
Que o procedimento do Governo Provisório, mantendo, a despeito disso, essas vantagens ao príncipe decaído, era simplesmente uma providência de benignidade republicana, destinada a atestar os intuitos pacíficos e conciliadores do nosso regime, ao mesmo tempo em que uma homenagem retrospectiva à dignidade que o ex-Imperador ocupara como chefe do Estado;
Que a atitude presentemente assumida pelo Sr. D. Pedro de Alcântara nesse assunto, pressupondo a sobrevivência de direitos extintos pela revolução, contém o pensamento de desautorizá-la, aninha veleidades inconciliáveis com a situação republicana;
Que, conseguintemente, cessaram as razões de ordem política, em que se inspirara o Governo Provisório, proporcionando ao Sr. D. Pedro de Alcântara o subsídio de cinco mil contos, e respeitando temporariamente a sua dotação,
Decreta:
Art. 1o É banido do território brasileiro o Sr. D. Pedro de Alcântara e, com ele, sua família.
Art. 2o Fica-lhes vedado possuir imóveis no Brasil, devendo liquidar no prazo de dois anos os bens dessa espécie, que aqui possuem.
Art. 3o É revogado o Decreto no 2, de 16 de novembro de 1889, que concedeu ao Sr. D. Pedro de Alcântara cinco mil contos de ajuda de custo para o seu estabelecimento no estrangeiro.
Art. 4o Considera-se extinta, a contar de 15 desse mês, a dotação do Sr. D. Pedro de Alcântara e sua família.
Art. 5o Revogam-se as disposições em contrário.
Sala das Sessões do Governo Provisório dos Estados Unidos do Brasil, 21 de dezembro de 1889; 1o da República. - MANUEL DEODORO DA FONSECA - Quintino Bocaiúva - Rui Barbosa - Benjamim Constant.
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