segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A Loucura dos reis – estroinices florentinas


Os Medicis não foram uma família real, mas príncipes italianos politicamente sagazes. Governaram Florença da década de 1430 até a morte do último grão duque, Gian Gastone em 1737; com exceção de um breve período no início do século XVI. Florença atingiu seu apogeu sob a hábil orientação do verdadeiro fundador da família – o grande príncipe negociante Cosimo dei Medici e de seu neto, Lorenzo, o magnífico.





Sua ampla rede bancária fez dos Medicis uma força na economia e política, na Europa ocidental. Florença foi enriquecida com belíssimos edifícios, pinturas e esculturas graças à patronagem dos Medicis e seus partidários.

No final do século XVII os florentinos e os Medicis viviam da reputação e dos recursos de um passado esplendoroso. Viviam de uma fachada que não conseguia esconder a decadência e a impotência política da Toscana. Havia desemprego e pobreza. Florença se tornara uma potência de terceira categoria. Exército pequeno e marinha praticamente inexistente. O grão duque Cosimo III governou a Toscana por 53 anos. Nem bom nem mau, seu governo foi afetado por certas facetas de seu próprio caráter que são em certo sentido vitais para a compreensão da personalidade de seu filho e sucessor, o último grão duque, Gian Gastone.

Cosimo III foi criado por uma mãe pietista(*), unida por um casamento infeliz ao seu pai, o grão duque Ferdinando, que governou Florença de 1621 a 1670. Cosimo tornou-se um beato tacanho, carrancudo e fervoroso, mais bem talhado para a vida eclesiástica que para carreira secular. Era intolerante com qualquer desvio em relação à ortodoxia, fosse na moral ou na crença. Tentou impedir mulheres de serem atrizes, proibiu a entrada de homens em casas que houvesse moças solteiras e impôs uma série de decretos intolerantes e anti-semíticos.

Casou com Marguerite Louise d'Orleans, sobrinha do rei francês Luis XIV. Houve uma enorme incompatibilidade conjugal. Ele austero e taciturno, avesso a contatos físicos que alguns suspeitassem que fosse homossexual. Ela, bonita, cheia de vida, fisicamente vigorosa, orgulhosa, teimosa e egoísta. Dormiam juntos, uma vez por semana, sob a supervisão de um médico. Finalmente um herdeiro nasceu, Ferdinando, em 1663. Anna Maria nasce em 1667. O terceiro filho, Gian Gastone nasce 24 de maio de 1671. Marguerite assim depois de cumprir com sua obrigação, parte para França em junho de 1675, para nunca mais voltar.

– Seus herdeiros, não teriam filhos:
  1. Ferdinando casou-se sem entusiasmo com uma princesa bávara, Violante. Contraiu sífilis e morreu 10 anos antes do pai.
  2. Anna Maria casou com um eleitor palatino, Johann William. Três das irmãs de William eram a imperatriz e as rainhas de Portugal e Espanha. Sem descendência.
  3. Gian Gastone com 23 anos casou-se com uma rica viúva, Anna Maria, filha do duque de Saxe-Lauenburgo. Uma mulher rude, desagradável, de gosto vulgar, enorme e amedrontadora, com um aspecto grosseiro e desgracioso. A reação de Gian à vida conjugal foi de horror. Em busca de consolo, voltou-se para seu amigo íntimo, seu lacaio que se tornou seu amante. Gian adquiriu uma preferência pelo sexo com prostitutos, que nunca perderia. Viveu na França, Hamburgo e em 1705 voltou definitivamente para Florença. Sem descendência.

Cosimo sem sucessor, se agarrou a idéia do herdeiro vir de seu obeso irmão, o cardeal Francesco Maria, que pediu a dispensa das sagradas ordens. Mas o cardeal morreu antes de casar. Dois anos depois Ferdinado morre. Em 1723 o idoso grão duque Cosimo III morre e Gian Gastone com 52 anos o sucedeu.

Gian Gastone tinha pouco interesse por assuntos governamentais, mas escolheu bem os seus ministros, e o governo tornou-se sob alguns aspectos melhor e certamente mais liberal, do que havia sido o de seu pai. A igreja tornou menos severa. Teve um sistema de governo mais liberal e esclarecido. Sua vida era reclusa no palácio Pitti e via o mundo através de uma névoa mais ou menos permanente de embriaguez. Bebia em grande quantidade vinhos e destilados abrasadores. Em 1730, Gian torceu o tornozelo e ficou de cama, nos 7 anos seguintes, só a abandonaria em ocasiões muito especiais.

Gian Gastone tornara-se um soberano negligente, um alcoólatra com gostos pervertidos. Havia sido um jovem promissor e de índole humana e bondosa. Deve ter sido vítima de um transtorno de personalidade que as circunstâncias – uma criação sem afeto, um pai distante e austero e um casamento infeliz – todas conspirando para transformar na ruína de um homem.

Em 1731, as grandes potências reuniram-se em Viena e decidiram pela sucessão de Gian, o herdeiro seria D. Carlos, duque de Parma, filho de Filipe V da Espanha. Mas D. Carlos tornou-se rei das Duas Sícilias e foi substituido como herdeiro por Francisco Estêvão, duque de Lorena, marido de Maria Teresa Habsburgo, futuro imperador Francisco I.

Em julho de 1737, Gian ficou doente e faleceu em 14 de julho, enterrado com grande pompa no duomo. Se fora um governante ineficiente, a morte redimiu sua reputação junto aos florentinos; ele foi carregado até o túmulo com todo o cerimonial de que a cidade da ostentação era capaz.


Anna Maria a irmã de Gian, viveu no palácio Pitti mais 6 anos, em seu testamento, legou todos os seus bens e propriedades pessoais à cidade de Florença, por toda a eternidade. Com isso Anna Maria reparou a estroinices(•) do irmão e pode-se dizer que os Medicis recompensaram os florentinos pela lealdade que demonstraram à família ao longo de 300 anos.



Ferdinando e Anna Maria, filhos de Cosimo III, irmãos de Gian Gastone




(•)estróina
es.trói.na
adj m+f Diz-se da pessoa extravagante, dissipadora, estouvada. s m+f Essa pessoa. Col: farândola, súcia.

(*)pietismo
pi.e.tis.mo
sm (fr piétisme) 1 Movimento iniciado dentro do protestantismo, pelos fins do século XVII, na Alemanha, segundo o qual a verdadeira religiosidade consiste na liberdade da consciência, na piedade subjetiva e nas obras de misericórdia, sendo o dogma secundário ou supérfluo. 2 fam Fanatismo.



Fonte: 'A Loucura dos Reis' de Vivian Green e Dicionário Michaelis

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Benção


"Que o caminho seja brando a teus pés, O vento sopre leve em teus ombros.Que o sol brilhe cálido sobre tua face, As chuvas caiam serenas em teus campos. E até que eu de novo te veja.... Que Deus te guarde na palma de Sua mão."
(Uma antiga bênção Irlandesa)
 
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