domingo, 7 de junho de 2009

A loucura dos reis – O rei enfeitiçado e sua herança



Os males do corpo e da mente são tão sutilmente entrelaçados que parecem indistinguíveis, e com frequência reagem uns sobre os outros. A doença física pode ser um agente que precipita a perturbação do equilíbrio da mente. Mas em outros casos, a doença física, embora talvez não gere nenhum prejuízo mental severo, afeta, ainda que apenas periféricamente, o julgamento. A inter-relação entre a fraqueza física e fragilidade mental foi particularmente bem exemplificada pelo caso do rei espanhol do século XVII, Carlos II, cuja vida foi colecionada desde o nascimento por problemas crônicos de saúde.






Carlos não foi insano num sentido convencional, mas sua debilidade física teve por complemento a fragilidade mental, ainda que, de modo muito intermitente, o monarca tenha revelado centelhas de entendimento político e até de sabedoria. Os males gêmeos do corpo e da mente de Carlos fizeram de seu governo, um desastre para seu povo.


Endogamia *
A personalidade de Carlos, tão fortemente moldada por fatores genéticos, foi uma prova da importância da hereditariedade na política européia. A endogamia nas famílias reais desempenhou um papel significativo na configuração do destino da Europa. Claramente, algumas doenças físicas podem ser transmitidas de uma geração para outra. No século XVI e XVII a endogamia real tornou-se um costume preeminente dos Habsburgos espanhóis e austríacos. "Tu, felix Austria nube; alii gerant bella" – "Tu, feliz Áustria, te casa; outros engendram guerras". É bem verdade que os Habsburgos não cessaram de engendrar guerras, mas se casaram entre si com entusiasmo, em detrenimento de seus descendentes:
  • primos de 1º grau casavam entre si
  • tios casavam com sobrinhas
O último casamento de Felipe II, foi com Ana, filha de seu primo Maximiliano II com sua irmã Maria. Seu filho Felipe III casou com sua prima Habsburgo; e seu filho Felipe IV casou com sua sobrinha e prima Ana – pais de Carlos II o último Habsburgo da Espanha, em cuja personalidade as deficiências congênitas da endogamia, físicas e mentais, se concentrariam de maneira intensa e desastrosa.

Filiação
O pai de Carlos II, Felipe IV, teve vários filhos com suas duas esposas – desses filhos:
  • dois foram abortados
  • três só viveram para receber o batismo
  • seis resistiram entre 2 semanas e 4 anos
Teve muitos bastardos, que foram relativamente saudáveis. O mais conhecido deles foi D. Juan.

Felipe IV foi casado com a princesa Isabel da França em primeiro casamento, depois de sua morte, casou em 1649, com sua sobrinha de 15 anos, 30 anos a menos que o marido. Em 1661 nasce o futuro Carlos II. Felipe IV morreu em 17 de setembro de 1665, quando Carlos assume o reino com 4 anos. Alguns tiveram a impressão que não era só o rei que morria, mas que o próprio império espanhol estava perecendo.

Reinado
No reinado de Carlos II, houve alguns sinais superficiais de recuperação econômica, na forma de aumento da produção agrícola e de uma expansão comercial. Mas havia o caos monetário, o desenvolvimento industrial era desprezível, grande comércio ultramarino estava sob o controle de negociantes estrangeiros. O prestígio internacional da Espanha declinara, pois ela fora obrigada a reconhecer a independência dos Países Baixos, perdera Portugal e estava eclipsada pela poderosa França de Luís XIV. Felipe deixou em testamento para assegurar o futuro governo de seu país instituindo uma junta para aconselhar Mariana, a rainha-mãe, que deveria ser a regente e a chefe do poder executivo. Mariana carecia de experiência e capacidade para governar, por mais dedicada que fosse ao seu filho, não tinha nenhuma compreensão real dos profundos e difíceis problemas que afligiam seu país de adoção. Depositou sua confiança, em seu confessor, um astuto jesuíta austríaco, padre Everardo Nithard. Mas como o testamento de Felipe IV proibia que estrangeiros participassem do conselho de Estado, Mariana arranjou para que Nithard fosse naturalizado e nomeado inquisidor-geral. Desde o início Mariana sofreu, pois teve que enfrentar o filho bastardo de Felipe IV, o meio-irmão do rei, D. Juan – ambicioso, hábil e atraente, até conseguiu demitir Nithard. Foi nessa atmosfera, numa corte intolerante, governada por uma rígida etiqueta, muita intriga, desconfiança e trapaça, que o jovem rei Carlos II foi criado.




Carlos foi uma criança doente. Sua criação nada fez para ajudar a resolver os problemas temperamentais e físicos que herdara, e eram tão graves que dificilmente poderia ter melhorado. Era raquítico e incapaz de andar adequadamente porque suas pernas não o suportavam. Aos 9 anos ainda não sabia ler e escrever e seus conhecimento gerais permaneceram pequenos ao longo de sua vida. A caça foi uma de suas recreações principais. Apreciava a arte delicada da música, que aplacava momentaneamente os traumas que já o afligiam.





"Ele é mais para baixo, frágil, não malformado; seu rosto no conjunto é feio; tem um pescoço comprido, face e queixo largos, com o lábio inferior típico dos Habsburgos, olhos não muito grandes de um azul-turquesa e uma compleição fina e delicada. Tem um olhar melancólico e levemente surpreso. O cabelo longo e claro, é penteado para trás de modo a deixar as orelhas à mostra. Não consegue se manter ereto quando caminha, a menos que se apóie contra uma parede, uma mesa ou uma outra pessoa. É fraco de corpo e de mente. De vez em quando, dá sinais de inteligência, memória e certa vivacidade, mas não presentemente; em geral, mostra-se lento e indiferente, letárgico e indolente, e parece estupidificado. Pode-se fazer com ele tudo quanto se queira, porque é desprovido de vontade própria." (núncio papal em 1686)

"Dos cinco reis Habsburgos, Carlos V inspira entusiasmo; Filipe II, respeito; Filipe III, indiferença; Filipe IV, compreensão, e Carlos II, piedade." (Marañon)

No entanto em 6 de novembro de 1675, quando atingiu a maioridade, Carlos II mostrou por um breve tempo, um lampejo de energia, até de vontade própria, o que indique que, com uma educação melhor, poderia ter mostrado bom senso. Escreveu uma carta ao seu meio-irmão D. Juan pedindo para que fosse para Madri ajudá-lo a governar. "Assumirei o governo de meus reinos. Preciso de sua pessoa ao meu lado para me ajudar, e livrar-me da rainha minha mãe. Esteja em minha câmara na quarta feira, dia 6." escreveu o rei Carlos. Mas os esforços do rei para sair debaixo das asas da mãe haviam fracassado, foi obrigado a assinar o decreto que prolongava os poderes da rainha mãe e da junta de governo, como primeiro ministro Dom Velenzuela, que era impopular e foi detido e banido por D. Juan, o coringa do reinado. O retorno de D. Juan foi saudado pelo rei e pela maioria dos grandes. A rainha-mãe recebeu ordem de deixar Madri e instalar-se em Alcazar, em Toledo, enquanto D. Juan empreendia a difícil tarefa de levar o meio-irmão a se desincumbir mais seriamente das responsabilidades de um rei.

D. Juan era bem intencionado, consciencioso e não desprovido de habilidade. Reanimou o governo. Esforçava-se por implantar reformas, mas o tempo não estava a seu favor e manter o rei sob constante vigilância, para que não voltasse a influência da mãe. Mas D. Juan adoeceu e morreu em dois meses, aos 50 anos, em 17 setembro de 1679. Quatro dias após a sua morte, o rei uniu-se com a mãe em Toledo e o governo caiu na incompetência desinformada de costume.

Casamento
Deveria ser uma Habsburgo, como desejava sua mãe, mas como a candidata tinha apenas 5 anos de idade, a princesa francesa Maria Luísa, filha do duque Orleans e sobrinha de Luís XIV, foi mais aceitável, uma alegre mocinha de 17 anos, que não conseguiu dar um herdeiro para a Espanha, faleceu em 12 de fevereiro 1689, de uma queda de cavalo.

O segundo casamento de Carlos foi com a irmã da esposa do imperador Leopoldo I, irmão de sua mãe; Maria Ana Neuburg – que logo se revelaria disposta a saquear seu novo país. Era uma mulher resoluta, decidida a influenciar o governo da Espanha e defender o interesse dos Habsburgos austríacos. Ela não se dava bem com a sogra. Mariana morreu em 16 de maio de 1696 e deixou Carlos ainda mais a mercê dos interesses conflitantes de sua corte.

Morte
O rei estava nos últimos estágios de sua doença. Recebeu a extrema unção em 28 de fevereiro de 1700, e cinco dias depois ditou seu testamento, legando seu império inteiro "sem permitir o menor desmembramento da monarquia fundada com tal glória por meus ancestrais" para o neto de sua meia-irmã Maria Teresa casada com Luís XIV rei da França – Filipe, duque de Anjou. Foi talvez o mais decisivo e certamente o mais importante ato de sua vida. Carlos morreu em 1º de novembro de 1700. Semanas depois, Filipe de Anjou foi proclamado rei da Espanha como Filipe V. E todos os tratados de partilha do reino espanhol que até então estavam sendo feitos, foram rasgados e a Europa mergulhou em 13 anos de conflitos sangrentos e onerosos antes que seu título fosse plenamente autenticado.


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* endogamia
en.do.ga.mi.a
sf (endo+gamo2+ia1)
1 Sociol Matrimônio exclusivo entre os membros de um grupo específico de uma tribo ou povo (casta, nobreza ou outra camada), exigido por lei ou costume. 2 Biol Reprodução sexual entre parentes próximos, especialmente polinização de uma flor pelo pólen de outra da mesma planta. 3 Biol Fecundação pela união de duas células separadas que têm a mesma ascendência cromatínica; pedogamia. Antôn: exogamia.
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Origem: 'A Loucura dos Reis' de Vivian Green e Dicionário Michaelis

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(Uma antiga bênção Irlandesa)
 
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